O Mezze ainda não tinha aberto sequer. Éramos apenas uma ideia que poderia ou não dar certo.
Então, como tudo aconteceu?
Uma vez, participei num workshop na residência do embaixador dos EUA em Lisboa. Pretendia-se juntar líderes de projetos sociais com responsáveis de grandes empresas. A ideia era criar sinergias para se responder às questões de empregabilidade relacionadas com refugiados.
Uma das pessoas convidadas, que supervisionava programas de apoio a refugiados conduzidos pelo Departamento de Estado norte-americano, quis saber mais sobre o Mezze. Expliquei-lhe que a ideia tinha surgido durante uma conversa com uma aluna de arquitetura síria que estava a viver em Portugal, a Allaa. No decorrer da conversa perguntámos-lhe do que tinha mais saudades do seu país. Ela respondera: “Do pão”. “É isso!”, exclamou a minha companheira de mesa. “Vocês fizeram a pergunta. Muitas vezes não se faz a pergunta, apenas se tenta dar a resposta presumindo que sabemos aquilo de que as pessoas precisam”.
Trabalhar para a inclusão é estar sempre a fazer perguntas.
No caso do Mezze, a primeira pergunta apontou-nos para um caminho possível. Não sabíamos nada sobre restaurantes e nenhum de nós alguma vez tinha trabalhado num. Não sabíamos também o que implicava um projecto deste género. Contudo, a nossa intuição era tão forte que seguimos em frente.
Era quase um ovo de Colombo. A herança culinária de mulheres que nunca tinham trabalhado seria usada para as valorizar. Em paralelo, mostrariam que têm muito para dar à sua nova comunidade. Desta forma, conseguiríamos garantir que as pessoas que estavam a chegar, fugidas da guerra no seu país, teriam um lugar onde encontrar a sua cozinha. E, finalmente, preenchíamos o que era então um vazio inexplicável: a quase inexistência de restaurantes do Médio Oriente em Lisboa. A verdade é que o panorama se alterou desde então, e vários restaurantes abriram recentemente.
O caminho para a inclusão era também uma oportunidade de negócio. Assim, acreditámos que o projecto seria auto-sustentável.
Fazia-nos todo o sentido focarmo-nos nas mulheres. São elas que encontram maiores obstáculos à integração.
Em muitos dos seus contextos de origem, cabe-lhes o papel de cuidar da casa e não o de sustentar a casa. Mas, nesta nova etapa das suas vidas, vêem-se obrigadas a ir procurar trabalho. E isto não é nada fácil. Por exemplo, a frequente falta de qualificações académicas e a ausência de experiência profissional não ajudam. Para além disso, usar o lenço na cabeça, o hijab, é olhado com muita desconfiança ainda.
Finalmente aconteceu a abertura do Mezze em setembro de 2017 com o apoio de vários parceiros (empresas, instituições, etc.).
E foi um sucesso imediato. Filas à porta, visitas ilustres, elogios nos media. Fizemos questão que o Mezze não fosse apenas um bom projecto, mas também (e principalmente) um óptimo restaurante. Com isto, conseguimos mostrar aquilo de que estas mulheres (e jovens) são capazes – partilhar o melhor da sua gastronomia. Os preconceitos à volta dos refugiados serão mais eficazmente combatidos quanto melhor for a comida que é servida à mesa.
Mas não vamos dizer que este caminho só tem rosas.
Tem muitos espinhos. E talvez o mais afiado seja mesmo a barreira linguística. O apoio das instituições de acolhimento não chega para tornar o português numa língua franca dentro do restaurante. O árabe continua a ser a língua de trabalho da maioria (sobretudo na cozinha, pois não se confrontam com a necessidade de falar directamente com os clientes, apesar de esta estar aberta para a sala). Por essa razão, a nossa parceria com o SPEAK tem sido preciosa, com os buddies na mesa do Mezze. Mas, os avanços nem sempre ocorrem à velocidade desejada. Há queixas sobre a dificuldade que é aprender um idioma tão difícil. No entanto, há uma compreensão profunda de que a língua é um passaporte e que sem ela a vida aqui será sempre mais difícil.
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