Estive em Bissau no ano de 2018.

Foi em Bissau a minha primeira missão como psicólogo dos Médicos sem Fronteiras. Foi clara a minha inexperiência.  Apesar de não ser a minha primeira experiência como psicólogo em contexto humanitário internacional, foi a primeira vez a trabalhar num hospital. Foi também a  primeira vez a trabalhar em neonatologia. A primeira vez em pediatria intensiva. E a primeira num centro de desnutrição intensiva. Foram muitas “primeiras vezes”. but

Sei que posso correr o risco de sublinhar uma evidência tantas vezes repetida, mas tenho de o dizer: as pessoas são sempre os maiores desafios e as maiores soluções. Os maiores desencadeadores de stress e os maiores calmantes. But

Nós somos os maiores “monstros” dentro da nossa cabeça. E também as maiores catapultas para voarmos acima dos nossos próprios muros. but

Bissau não foi excepção. A incrível equipa nacional e internacional deu-me toda a paciência e apoio para desempenhar o meu trabalho. but

Eu detesto generalizar, mas na Guiné Bissau é quase impossível. É quase impossível resistir à tentação de dizer que toda a gente é simpática, trabalhadora, interessada, preocupada, humilde… Mas, toda a minha experiência de contacto com o povo e com os profissionais, foi assim. Um enorme cobertor homogéneo de “gente boa”.

Mas sabemos bem as lutas que essa “gente boa” trava debaixo do cobertor…

Porque debaixo desse cobertor há pobreza. Cerca de 70% da população está abaixo da linha internacional da pobreza. but

Há uma população subnutrição. Cerca de 25% da população está subnutrida. but

Há uma incerteza constante. 80% da população depende da agricultura. 50% das famílias está envolvida na plantação do caju, sendo que 11% a 50% das famílias sofrem de insegurança alimentar. Também volatilidade dos preços do arroz importado e do caju produzido são um dos factores dessa insegurança.

Há morte. Bissau é o 6º país com maior mortalidade neo-natal do mundo (18 vezes mais que em Portugal). Bissau é o 13º país com maior mortalidade infantil do mundo (20 vezes mais que em Portugal). O 8º país do mundo com maior taxa de mortalidade materna do mundo (83 vezes mais que em Portugal). but

Eu estive em Bissau em 2018. Nesta frase cabe muita coisa impossível de transpor aqui. Impossível de transpor numa música. Contudo, é precisamente de uma música que quero falar. but e e e e e e. e e e

O nosso trabalho nos Médicos sem fronteiras implicava lidar com mortes. Muitos gritos e silêncios. Trabalhávamos em neonatologia intensiva e em pediatria intensiva. But

E, se há algo que nos lembrámos muitas vezes, é que há momentos para tudo. but e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e

Há momentos para o sofrimento dos médicos e enfermeiros, cientes que as suas crianças morrem todos os dias de coisas “que já não se vêem na Europa”.  Outros para almoçarmos todos juntos. Também temos momentos para ouvir os gritos diários das mães nesta sala ou na sala ao lado. Momentos para ir beber uma cerveja. Outros para ficar gelado com o silêncio de uma mãe que arruma os brinquedos do filho agora morto. Momentos para apreciar uma trovoada no calor…. but but but.

E, num desses momentos, de calor e trovoada, eu li sobre a mutilação genital feminina (MGF). Li também sobre o tráfico de crianças. but

Percebi que a Guiné tem taxas de MGF superiores a 40%. Alguns relatórios falam de números de “tráfico” infantil na ordem das 300 crianças por mês. but e e e e e e e e e e e e e e e e e e 

Esse momento foi diferente. Foi como se tivesse aterrado em cima da pilha dos outros momentos. Como se me esmagasse lá em baixo. but

É difícil explicar como às vezes ouvimos “melhor” a música quando estamos esmagados. E foi isto que me aconteceu. but e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e

Com isto, fui esculpindo a letra. E, graças a um microfone pendurado no cesto da roupa, consegui gravar o áudio. Lentamente fui-me apercebendo que as imagens que ia gravando esculpiam o vídeo. but but but but but. but but. but. 

Com a música e video que escreveu e produziu em Bissau, Raúl foi convidado a partilhar a sua obra com a IOM. Esta foi utilizada para sensibilização contra o tráfico de crianças. Ouve a sua história e a sua música aqui. e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e e  e but

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Author: Raúl Manarte

Raúl is a psychologist and musician. If he isn’t taking pictures or creating music with be-dom, it’s because he is doing humanitarian work in some part of the world with Doctors Without Borders or another NGO. For him any place in the world it is a good spot to create and record some music.

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